Autor: Cícero Manoel da Silva
Graduando em Gestão de Políticas Públicas - EACH/ USP
O Poder
Judiciário é um dos três Poderes do Estado, idealizado na teoria da separação
dos Poderes consagrado por Montesquieu, na obra “O Espírito das Leis” de 1748. A este Poder se atribui a função de
dirimir conflitos mediante a aplicação da lei aos casos concretos conforme o
ordenamento jurídico de cada nação. Essa elevada missão, que interfere com a
liberdade humana e se destina a tutelar os direitos subjetivos, só poderia ser
confiada a um poder do Estado, distinto do Poder Legislativo e do Poder
Executivo.
Concebido,
do ponto de vista do Direito Administrativo, sob a forma de órgão independente,
o Judiciário brasileiro atual é regido por garantias institucionais que
protegem o Poder Judiciário como um todo. Entretanto, na historia
constitucional brasileira o Poder Judiciário obteve autonomia e independência
de fato com a Constituição Federal (CF) de 1988. Com esta o princípio da
independência dos poderes tornou-se efetivo e não meramente nominal como nas
Constituições anteriores amplamente dominadas pelo poder Executivo. Com a CF de
1988, em seu Art. 99, foi assegurada autonomia administrativa e financeira ao
Judiciário com competência para elaborar o seu próprio orçamento, que também é
submetido ao crivo do Congresso Nacional assim como o orçamento do Poder
Executivo. Este artigo tem como objetivo analisar a autonomia financeira do
Poder Judiciário e como objetivo específico as atuais controversas em relação
aos salários pagos aos seus servidores, acima da média dos outros Poderes da
Federação e até de outros países ditos desenvolvidos.
A
CF trata do teto salarial do funcionalismo em dois momentos. No artigo 37
inciso XI, o texto diz que a remuneração e o subsídio dos servidores públicos
não pode “exceder o subsídio mensal”
dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Nos municípios, não pode ultrapassar
o salário do prefeito. Nos estados e no Distrito Federal, o teto é o que ganha
o governador, no caso do Poder Executivo, e os desembargadores do Tribunal de
Justiça, no caso do Judiciário. O texto constitucional não fala em exceções à
regra. Para não deixar qualquer dúvida de que a intenção é cortar qualquer
subsídio que ultrapasse os limites do teto constitucional, a Constituição
acrescenta no artigo 17 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT)
o seguinte texto: “Os vencimentos, a
remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de
aposentadorias que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição
serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo,
neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer
título”.
Partindo
dessas disposições gerais regulamentadas na Constituição, o salário dos juízes
no Brasil, tem um teto. Não pode exceder o salário de ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF), que atualmente se encontra em torno de R$ 33.763
(Trinta e Três mil Reais). Entretanto, na prática, observa-se que esse valor é
superado por alguns desembargadores (Juiz de segunda instância) nos Estados de
Minas Gerais, que em média ganha líquido, R$ 56 mil Reais por mês, em São
Paulo, R$ 52 mil Reais, e no Rio de Janeiro, R$ 38 mil Reais, segundo estudo
feito pela Fundação Getúlio Vargas. Esses valores superam os pagos a um juiz
similar no Reino Unido, que recebe cerca de R$ 29 mil Reais, e de juízes dos
Estados Unidos que em tem em media mensal o salário de R$ 43 MIL Reais, veja
esquema abaixo.
Fonte: Fundação
Getúlio Vargas
Os salários dos juízes são “engordados” por auxílios
adicionais “legais”, que se fundamenta por interpretações da magistratura em
relação à legislação. O artigo 4º da Resolução Nº 14/2006 do Conselho Nacional
de Justiça estabelece “ficam excluídas da
incidência do teto remuneratório constitucional as seguintes verbas: Inciso I -
de caráter indenizatório, previstos em lei”. Inciso seguido de diversas alíneas que constam de auxílios que vão
do “auxilio pré-escolar” ao “auxilio- funeral”, entre diversos outros como
moradia, transporte, alimentação, médico-social, reclusão e ajuda de custo para
mudança e transporte, entre outros. Os auxílios são controversos até para
membros de dentro do Judiciário, em uma audiência pública recente no STF, a
ministra Cármen Lúcia, atual Presidente do STF, disse o seguinte: “Além do teto, tem cobertura, puxadinho e sei
mais lá o que”, se referindo ao fato de que o limite Constitucional do teto
salarial vale mesmo apenas para os 11 ministros do STF.
A Emenda Constitucional 19/1998, visava reformar a
administração pública, esta tinha como um dos seus princípios incluir todo o
subsídio (termo usado para designar o salário de juízes) dentro do teto.
Entretanto, auxílios, abonos e gratificações por ganho de ações judiciais
movidas pelos juízes acabaram ficando de fora do teto. Em tese tudo deveria
estar dentro do subsídio, entretanto ficou difícil obter aumentos no subsídio e
assim vieram os “puxadinhos”, isto é, os auxílios. As Resoluções Nº 13 e 14 de
2006 vieram para regulamentar os auxílios, abonos e gratificações que
aumentaram significativamente os ganhos dos juízes.
Dados recentes do Boletim Estatístico de
Pessoal do Ministério do Planejamento apontam que o gasto médio da União com
cada funcionário do Poder Judiciário mais do que dobrou desde 1995. O
crescimento foi de 112% em valores atualizados, já descontada a inflação do
período. Este aumento foi mais do que o dobro registrado para os servidores do
Poder Executivo: 55% no mesmo período.
Fonte:
Ministério do Planejamento
Ao
comparar os gatos entre os Poderes, a série histórica do Ministério do
Planejamento, mostra que o Poder Judiciário registrou o maior crescimento dos
gastos. Em 1995, os servidores e magistrados do Judiciário federal custavam aos
cofres públicos R$ 9,5 bilhões por ano, em valores atualizados pelo IPCA
acumulado no período. Nos últimos 12 meses, esse valor atingiu a marca de R$
34,8 bilhões, registrando um crescimento de mais de 260%. Ao analisar o gasto
médio por servidor entre os três poderes, a série mostra que o Judiciário tem
aumento acima da média da União. Em 1995, cada funcionário tinha custo mensal
de R$ 12,3 MIL Reais, em valores corrigidos, quantia que saltou para R$ 26 mil
nos últimos 12 meses. Enquanto o trabalhador médio brasileiro vive com salário
mensal em torno de R$ 1000 por mês.
Os
gastos do Judiciário no Brasil representa a ordem de 1,3% do PIB, enquanto que
esse valor é de 0,3% na Alemanha, 0,14% nos Estados Unidos e 0,13% na
Argentina. O orçamento global do Judiciário totalizou R$ 62,3 bilhões em 2013,
último ano para o qual há dados disponíveis pelo CNJ – através de seu boletim
anual de 2014– “Justiça em Números”.
É importante ressaltar que no Brasil 89% deste valor é gasto com o
funcionalismo, porcentagem que fica em 79% na média dos países europeus,
segundo os pesquisadores Luciano Da Ros, da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, em parceria com Matthew Taylor, da American University, que fizeram um
estudo em perspectiva compara das despesas do sistema de justiça brasileiro.
Estes concluem que o Judiciário brasileiro é extremamente caro se compararmos a
países mais ricos ou mesmo de nível econômico similar. Veja Gráfico 1 abaixo.[1]
GRAFICO 1 - DESPESAS DO
PODER JUDICIÁRIO COMO (%) PERCENTUAL DO PRODUTO INTERNO BRUTO, PAÍSES
SELECIONADOS.
Fonte: (Ros & Matthew, 2016) Apud (CNJ, 2014); European Commission
for the Efficiency of Justice (CEPEJ, 2014), pg. 32; Centro de Estudos de
Justiça de las Américas (CEJA, 2017); National Center for State Courts (NCSC,
2012); Supreme Court of the United States (SCOTUS, 2012).
Atualmente, nosso país está
atravessando uma grave fase de crise fiscal e recessão econômica. Entretanto, o
Presidente em exercício, Michel Temer, sancionou sem vetos, em julho deste ano,
o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 29, que trata do reajuste das carreiras dos
servidores do poder Judiciário e do Ministério Público da União. O projeto
estabelece reajuste de aproximadamente 41,47% para os servidores do Judiciário
da União. Conforme aprovado no Senado, o aumento será dado, de forma
escalonada, em oito parcelas, de junho de 2016 a julho de 2019. Essa medida
terá um impacto superior a R$ 25 bilhões até 2019. O valor do teto dos
ministros do SFT, teto do funcionalismo público, passará de R$ 33.732,00 para
39.293,38, a partir de janeiro de 2017.
O déficit
orçamentário da União, diferença entre receita e despesa, fechará o ano de 2016
em torno de R$ 170,5 bilhões. Neste
cenário, em vez do governo cortar gastos e enxugar a máquina pública cede às
pressões corporativistas do Judiciário, que apresentou sua proposta de reajuste
salarial logo após o Presidente interino em exercício, Michel Temer, assumir o
governo. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Nº 55/2016, que visa
estabelecer um novo regime fiscal no país, é vista por diversos especialistas
em política fiscal como uma alternativa solida para conter as brechas legais
para aumento salarial ou de subsídios, por exemplo, através de Resoluções. A
fixação de um teto para os gastos públicos permitiria perceber quem gasta mais
e como gasta. Desta forma, é muito importante saber como o Judiciário gasta os
seus recursos e quanto gasta de forma clara, o Judiciário precisa abrir as suas
contas. O principal boletim dos dados financeiros do Judiciário – Justiça em Números- com versão publicada
recentemente referente ao ano de 2016, no site do CNJ, não traz dados claros de
quanto um juiz ganha e como ganha, assim como não justificativa as disparidades
regionais de ganhos entre estes.
Nos sites dos Tribunais de Justiça,
dedicados à transparência, se encontra links que mostram os salários dos
juízes. Mas a transparência de como um juiz pode chegar a ganhar R$ 200 mil
líquido por mês não é claramente divulgada. O CNJ é um órgão, no Brasil,
composto majoritariamente por magistrados, não funciona exatamente como um
órgão de controle externo da magistratura, o incentivo de controlar a
magistratura não é grande. É preciso
abrir a caixa preta do CNJ, e esclarecer para a população como esses ganhos são
formados.
As circunstâncias políticas
atuais, em que o Judiciário é protagonista, principalmente, na área criminal
com a Operação Lava Jato, estabeleceu um cenário favorável de desinteresse
estratégico nesse momento por pressionar o Judiciário a abrir suas contas. Cabe
à população, seja através de movimentos sociais ou através de seus
representantes eleitos, pressionar o Judiciário e nos perguntamos, qual
Judiciário queremos? Quais interesses têm prioridade? A sociedade assume neste
momento papel de grande julgador desta questão, visto que se continuar
dependendo do CNJ para controlar e esclarecer os altos ganhos salariais dos
juízes essa questão pode se postergar por muito tempo.
[1]
Ver: <http://www.conversaafiada.com.br/brasil/o-custo-absurdo-da-justica-do-brasil>