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domingo, 22 de maio de 2016

O princípio da não afetação da receita pública: breve apresentação da origem e função

Autora: Carolina de Moura Barbati
Graduanda em Gestão de Políticas Públicas - EACH USP

O princípio da não afetação, segundo Carvalho (2010), refere-se ao cumprimento da regra em que o orçamento deve conter uma unicidade da receita e uma destinação não discriminatória às despesas, formando-se, assim, dois conjuntos que não devem estar vinculados juridicamente, permitindo maior flexibilidade e eficiência para o gasto público, que direcionará seus recursos, de acordo com as suas necessidades.
No Brasil, mesmo com a Lei 4.320/64, que determina os princípios da unidade, universalidade e anualidade do orçamento, no período, não abordouo principio da não afetação como direito positivo, sendo apenas uma construção doutrinária, segundo Oliveira (1979), o que não garantia seu cumprimento.
Na Constituição de 1967, a positivação deste princípio encontrou-se em segundo plano, sendo apenas referenciado, de forma genérica, em relação aos tributos, mas que autorizava as afetações para demais receitas, como patrimoniais, industriais, de transferências correntes e de capital, etc, permitindo a vinculação também de algumas exceções tributárias. Assim, Carvalho (2010) conclui que, “[...] a despeito de o legislador constitucional intentar frear a atividade vinculatória do Estado, as inúmeras exceções e demasiadas modulações previstas no referido dispositivo, tornam-no débil” (p.131).
A partir da Constituição de 1988, mudanças significativas ocorreram, discriminando melhor suas determinações em relação a este princípio, no entanto, ainda comporta exceções em relação a não afetação, sendo o Imposto de Renda (IR), Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Imposto sobre Circulação de Mercadorias Serviços (ICMS) alguns exemplos. Também há exceções para a destinação de recursos para a saúde, educação e atividades tributárias, como descritono artigo abaixo.
Art. 167. São vedados:
IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo; (Redação da EC 42/2003).

O orçamento brasileiro vem, lenta e progressivamente, alcançando uma redução no nível de discricionariedade da alocação dos recursos, porém para tal criou mecanismos que de certa forma manipulam o texto constitucional através de Emendas Constitucionais (EC),comoaDesvinculação de Receitas da União (DRU). Esta visa dar mais liberdade ao gestor, porém é uma medida paliativa, prorrogada de forma deliberada, sem uma discussão real sobre uma reforma fiscal a fim de se revisar o sistema de vinculações.
A DRU surgiu após EC de 1º de março de 1994 como parte do pacote da criação do Fundo Social de Emergência (FSE) que visava estabilização econômica no país durante o período da implantação do Plano Real. Este mecanismo temporário, cuja ideia era ser um auxílio a flexibilização da alocação de recursos, enquanto as reformas fiscais não eram aprovadas, foi alterado pela EC nº 10 e prorrogada período após período até a recente EC nº. 68/2011 que prorrogou a DRU até ano de 2015. Tal medida mostra o quanto o engessamento que ainda existe na vinculação dos recursos, precisa levar os governos a ainda se submeter à discussão a este tipo de manobra. A discussão que entra em pauta neste caso é:conferir maior vinculação ao orçamento com redução da discricionariedade administrativa, havendo o risco de se provocar engessamento estatal, ou abrir possibilidade para maior flexibilidade na aplicação dos recursos públicos, com o consequente risco de inefetividade das políticas públicas e desvio de recursos? (FERREIRA, 2012).
Esta discussão acontece por se levar em conta que a questão orçamentária não é apenas umponto meramente contábil, mas sim um instrumento político, agente direito da intervenção estatal e representante indispensável de um plano de governo. Sendo assim, Torres (2011) considera que:
As vinculações das receitas de impostos têm a desvantagem de engessar o orçamento público, e, se não reservadas à garantia de direitos fundamentais, tornam-se meras políticas públicas constitucionalizadas, como aconteceu com boa parte das despesas com a saúde e a educação nos últimos anos. (TORRES, 2011)

            A não vinculação de receitas tem um papel fundamental na construção das políticas públicas. Tirar do gestor a liberdade de priorizar e alocar é transformar a máquina estatal numa mera reprodutora de políticas, reduzindo assim até a liberdade democrática de escolha de um gestor, pois o representante eleito por suas acepções ideológicas estaria sujeito à normas e regras engessadas- anacrônicas em relação as dinâmicas mudanças econômicas e sociais.
            Régis Fernandes de Oliveira (2011) nos deixa um elucidativo aprendizado:
O Estado deve ter disponibilidade da massa de dinheiro arrecadado, destinando-o a quem quiser, dentro dos parâmetros que ele próprio elege como objetivos preferenciais. Não se pode colocar o Estado dentro de uma camisa de força, minguando seus recursos, para que os objetivos traçados não fiquem ou não venham ser frustrados. Deve haver disponibilidade para agir. (OLIVEIRA, 2011).

É preciso que a legislação priorize os instrumentos de efetivação dos direitos constitucionais garantidos, mas esta não pode cair na intrincada contradição de ser justamente o mecanismo que impede tal concretização.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CARVALHO, André Castro. Vinculação de receitas públicas e princípio da não afetação: usos e mitigações. Dissertação (Mestrado em Direito Econômico, Financeiro e Tributário) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2010.
BRASIL. Secretaria de Orçamento Federal. Vinculações de Receitas dos Orçamentos Fiscal e da  Seguridade Social e o Poder Discricionário de Alocação dos Recursos do Governo Federal. Brasília: MPOG, 2003.
FERREIRA, Francisco Gilney Bezerra de Carvalho. Desvinculação das receitas da União e livre alocação dos recursos orçamentários: o jeitinho brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3208, 13 abr. 2012. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/21510>. Acesso em: 15 de maio 2016.
OLIVEIRA, Austen da Silva. Aspectos Constitucionais e legais do orçamento público. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 1979.
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 18ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

As mulheres no legislativo: uma breve análise das estatísticas das eleições de 2006, 2010 e 2014

Autor: Igo Ribeiro de Oliveira
Graduando em Gestão de Políticas Públicas - EACH USP


A presença das mulheres na política foi marcada e, continua sendo, por muita luta na aquisição e conquista desse direito. No Brasil a consagração do voto feminino veio apenas com a Revolução de 30, por meio do Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, que instituiu o Código Eleitoral Brasileiro. Em seu art.2° estabelecia ser eleitor “o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo”. No entanto, cabe ressaltar que a atribuição do voto às mulheres consolidado no código não era obrigatório, pois no art.121 dizia que "as mulheres em qualquer idade", além dos homens com idade superior a 60 anos, podiam "isentar-se de qualquer obrigação ou serviço de natureza eleitoral". Isto é, por mais que elas tenham obtido direito ao voto, as obrigações eleitorais continuaram distintas em relação ao dos homens. Foi somente com a Constituição Federal de 1946 que elas obtiveram a igualdade de direitos e deveres para com o Estado, já assumida pelos homens há tempos, quando passaram a ter obrigatoriedade do alistamento e voto.

Passaram-se metade de um século e a luta continua! A presença delas no Legislativo continua ínfima em relação sua população. Segundo o último grande censo demográfico do IBGE, que foi no ano de 2010, o Brasil é composto por mais de 52% de mulheres, isto é, as mulheres são a maioria no país. No entanto, ao analisar os resultados das últimas três eleições federais e municipais através das estatísticas elaboradas e publicadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (nas tabelas abaixo) elas não chegam a estar em 20% “das cadeiras” do Legislativo. Ou seja, as mulheres estão sub-representadas na política nacional.  .
Tabela 1: Dados Gerais da População e Eleitores das Eleições de 2006 – 2010 – 2014.
Dados gerais da população e do eleitorado por gênero
Ano
2006
2010
2014
N° absoluto
%
N° absoluto
%
N° absoluto
%
Eleitorado Total
125.735.846
100,0
135.655.980
100
142.707.022
100,0
Eleitorado Feminino
64.882.283
51,6
70.373.971
51,9
74.459.424
52,2
Eleitorado Masculino
60.853.563
48,4
65.282.009
48,1
68.247.598
47,8
População*
186.770.562

193.252.604

201.032.714

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral – TSE
*Fonte: IBGE


De acordo com a tabela 1, o eleitorado nos anos 2006, 2010 e 2014 é composto por maioria feminina, em todas as eleições chegam a serem superiores a 51%, e esse número só aumenta em relação à eleição anterior, ou seja, se o perfil do eleitorado por gênero continuar seguindo essa característica, a eleição de 2018 terá ainda mais mulheres eleitoras do que homens eleitores.
Tabela 2: Dados das eleições 2006 – 2010 – 2014 com o quantitativo de candidatos, vagas e candidatos por vagas em relação aos cargos no Legislativo.
Eleição
Cargo
Candidatos
Vagas
Candidatos por vaga
2006
Deputado estadual/distrital
12.136
1.059
11,46
Deputado federal
4.956
513
9,66
Senador
202
27
7,48
2010
Deputado estadual/distrital
15.266
1.059
14,42
Deputado federal
6.015
513
11,73
Senador
272
54
5,04
2014
Deputado estadual/distrital
14.958
1.059
14,12
Deputado federal
7.137
513
13,9
Senador
188
27
6,96
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral – TSE
Tabela 3: Dados das percentagens dos candidatos e eleitos das Eleições dos anos de 2006 – 2010 – 2014 por cargo/gênero.
Percentagem de Candidatos e Eleitos das Eleições dos anos de 2006 - 2010 -2014 por cargo/gênero

2006
2010
2014
Cargo
Gênero
% candidatos
% eleitos
% candidatos
% eleitos
% candidatos
% eleitos
Deputado estadual/distrital
Masculino
85,7
SI*
77,1
87,0
82,7
88,7
Feminino
14,3
SI*
22,9
13,0
17,3
11,3
Total
100,0
SI*
100,0
100,0
100,0
100
Deputado federal
Masculino
87,3
SI*
77,8
91,2
68,2
90,1
Feminino
12,7
SI*
22,2
8,8
31,8
9,9
Total
100,0
SI*
100,0
100,0
100,0
100
Senador
Masculino
84,2
SI*
86,8
87,0
79,8
81,5
Feminino
15,8
SI*
13,2
13,0
20,2
18,5
Total
100,0
SI*
100,0
100,0
100,0
100
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral - TSE
* Sem Informação no site do TSE dos eleitos da eleição de 2006 até a data da elaboração desse trabalho.


A tabela 2 demonstra de maneira geral, sem distinção de gênero, a quantidade de candidatos, vagas e a relação candidato/ vaga. Em 2006 foram 12.136 candidatos para o cargo de deputado estadual/distrital, 4.956 candidatos para o cargo de deputado federal e 202 candidatos ao cargo de senador; em 2010 foram 15.266 candidatos para o cargo de deputado estadual/distrital, 6.015 candidatos para o cargo de deputado federal e 272 candidatos ao cargo de senador; em 2014 foram 14.958 candidatos para o cargo de deputado estadual/distrital, 7.137 candidatos para o cargo de deputado federal e 188 candidatos ao cargo de senador.

A tabela 3 demonstra de maneira específica as percentagens de candidatos e de eleitos por cargos e gênero.

Em 2006 as percentagens de candidatos do sexo masculino para os cargos de deputado estadual/distrital, deputado federal e senador foram todos superiores a 80%.

A Eleição de 2010 apresentou maior percentagem de candidatos do sexo masculino para o cargo de senador, atingindo o número de 86,6%; a percentagens dos homens para os cargos de deputado estadual/distrital e deputado federal foram superiores a 77%, ou seja, as percentagens de mulheres candidatas aos cargos no Legislativo não ultrapassaram 23% e isso refletirá na baixa representatividade das mulheres no poder legislativo brasileiro. Depreende-se da tabela 3 que há uma grande disparidade do percentual de mulheres candidatas em relação aos homens candidatos e, essa disparidade se torna maior a partir do momento que comparamos com o percentual de mulheres eleitas em relação ao percentual de homens eleitos. Em 2010 as cadeiras da Câmara Legislativa e do Senado eram preenchidas respectivamente por 8,8% e 13% de mulheres. Nota-se, então, um problema de representatividade na política nacional que precisa ser combatido.

A Eleição de 2014, portanto, a mais recente pela qual o país passou, não sinalizou mudanças quanto à representatividade das mulheres em relação às eleições anteriores. Os percentuais de candidatas ao cargo de deputado federal, 31%, e senador, 22%, foram maiores em relação à eleição de 2010, mas o percentual de candidatas a deputado estadual/distrital foi menor. Isto é, os percentuais de mulheres eleitas continuaram pequenos e muito distantes dos percentuais de homens eleitos.

As mulheres ainda estão longe de serem representadas na casa do povo conforme sua presença na população.  Um Legislativo dominado por homens parece não estar preocupados em compartilhar direitos e rever a sub-representação delas na política. A luta foi e será árdua! Ela e elas existirão!


Referências Bibliográficas:

CENTRO FEMINISTA DE ESTUDOS E ACESSORIA. Cidadania das Mulheres e Legislativo Federal: Novas e Antigas questões em fins do século XX no Brasil. Brasília, Novembro de 2001.