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terça-feira, 25 de outubro de 2016

A Cidade Constitucional: Relatos e Aprendizados

Autora: Carolina de Moura Barbati
Graduanda em Gestão de Políticas Públicas - EACH USP

Este relatório tem por objetivo compartilhar algumas das experiências vivenciadas em Brasília/DF, entre os dias 5 e 9 de setembro de 2016.
Esta visita foi resultado de uma disciplina optativa oferecida pela Universidade de São Paulo (USP), nomeada “A Cidade Constitucional: Capital da República”, realizada há dez anos pela instituição. Sua proposta oferta a oportunidade de estudantes de diversas áreas transcenderem o espaço físico da universidade, obtendo a práxis necessária para complementação de sua formação, não apenas como ser profissional, mas também crítico e social, com proposta de aproximação entre sociedade civil e política.
A organização da programação buscou abordar a Educação Fiscal e Financeira, com foco na coesão social, além da sustentabilidade ambiental, utilizando-se de seminários, estudos de caso e visitações, como alguns dos instrumentos metodológicos para garantia da eficácia do curso, como veremos adiante.
      Para realização de tal disciplina, a universidade disponibilizou dois ônibus para transportar noventa alunos, além da garantia de alimentação e hospedagem. Essa última foi realizada no alojamento da Escola de Administração Fazendária – ESAF, assim como a cumprimento de alguns eventos.
      A ESAF surgiu com a proposta de elaboração dos primeiros cursos de aperfeiçoamento do Ministério da Fazenda, representando, hoje, um sistema de Educação Permanente do servidor público, mas também disponibilizando cursos para a sociedade civil, na área de finanças públicas, de acordo com a exposição feita no primeiro dia de atividade - que não seguiu o estabelecido na programação, em função de problemas mecânicos com o ônibus, levado a um atraso de cerca de 15 horas em relação ao que estava previsto.

         Além de compreensão do histórico e propósito da ESAF, também nos foi apresentado, por Tobias Kuehner o Programa de Eficiência Energética da organização, garantindo a reflexão a respeito da sustentabilidade das políticas públicas e de sua eficiência. Com ações públicas, como a proposição da criação de um espaço como o da ESAF. – que é de fundamental importância para a capacitação de servidores e, consequentemente, da melhora do trabalho por eles desempenhado, além de um espaço de promoção e disseminação de conhecimento – é relevante pensar estratégias que onerem o mínimo possível o orçamento público, assim como o meio ambiente e o social. Com estre proposito, foi pensada sua arquitetura, com utilização de energia solar, captação de água da chuva, entre outras tecnologias de manutenção do espaço.             
Figura 1 – VII Seminário USP-ESAF na Escola de Administração Fazendária – ESAF. 5 de setembro de 2016.
           O conceito de eficiência, assim como o de sustentabilidade, tão abordados no campo de públicas, estão diretamente relacionados com o entendimento do orçamento público e, assim, com a Educação Fiscal. Neste sentido, abordou-se com intensidade o sistema tributário brasileiro, trabalhado tanto nas ESAF, com o gerente do Programa Nacional de Educação Fiscal, como na Receita Federal, pelo Coordenador-Geral de Atendimento e Educação Fiscal Antônio Henrique Lindemberg Baltazar.
Ambos buscaram expor a importância da tributação, sendo um instrumento de garantia de direitos e, assim, a oferta de serviços públicos, também abordado por Giacomoni (2007), que debate as funções alocativa, distributiva e estabilizadora do Estado, relacionados à gestão dos recursos arrecadados. Para tal, despertam a reflexão para o a maior conscientização da funcionalidade desse sistema e da necessidade de maior participação social, superando o discurso de ineficácia do Estado, promovido pelo sistema capitalista e pela grande mídia brasileira, mas também despertando uma visão crítica sobre o formato regressivo de tributação, que focaliza sua maior arrecadação através do consumo.
Assim, cabe a reflexão de Mészáros in Salvador (2012), em que “apesar de todos os protestos em contrário, combinando com fantasias neoliberais relativas ao ‘recuo das fronteiras do Estado’, o sistema do capital não sobreviveria uma única semana sem o forte apoio que recebe do Estado”.
Figura 2 – G2 - II Seminário USP-RFB – A educação fiscal para a coesão social. 5 de setembro de 2016

          Complementando o debate de educação fiscal, iniciado na Receita Federal Brasileira, realizou-se a visitação ao aeroporto internacional de Brasília, coordenada pelo Inspetor da Alfândega, Alexandre Martins Angoti, e promovida pelo programa “Conheça a Nossa Aduana”, tendo como proposta a melhor compreensão da atuação aduaneira, em relação ao processo de importação e exportação, imigração, procedimentos e legislações, entre outros temas vinculados à gestão da informação.  
            Apesar da sensação de necessidade de aprofundamento mais técnico do tema, a experiência foi esclarecedora sobre os processos realizados e suas implicações positivas e negativas, possibilitando a identificação de possíveis gargalos que, enquanto futura gestora pública, trouxe um despertar para a área, até então pouco conhecida.
Figura 3 – II Seminário USP-RFB – A educação fiscal para a coesão social. 5 de setembro de 2016.

Fortalecendo o debate de participação social e de promoção da conscientização popular dos instrumentos de processo legislativo do nosso país, realizou-se a visita à Comissão de Legislação Participativa (CLP) da Câmara dos Deputados, em que tivemos a fala do Assessor Legislativo Aldo Matos Moreno, sobre a composição desse espaço e seu funcionamento. A CLP é composta por dezoito membros, mas aberta, desde de 2001, à sociedade civil organizada para o recebimento de propostas legislativas.
Para compreender tal processo, através da metodologia de simulação e debate, promoveu-se uma reunião ordinária a respeito da redução da maioridade penal e a Lei Rouanet, em que os alunos articularam defesas e contraposições ao tema, a fim de definir o andamento de tais propostas e identificando as problemáticas desta atuação, necessidade de uma mediação capacitada, ao se deparar com argumentações e propostas que disputam interesses, crenças, experiências particulares, dados estatísticos, estudos acadêmicos e que impactará positiva ou negativamente toda a sociedade.
Dada a conjuntura atual, em que o país encontra-se em um contexto que se pontua não apenas uma crise econômica, como também política, inserido em um recente processo de impeachment presidencial, em que questionam a existência de um crime de responsabilidade fiscal, falar sobre disputa de interesse dentro da política brasileira torna-se essencial.
Presente em Brasília a menos de uma semana da Presidenta Dilma Rousseff sofrer o impeachment, para além das atividades programadas, tivemos a oportunidade de acompanhar sua saída no Palácio da Alvara, no dia 6 de setembro de 2016, e dialogar com pessoas de diversos movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, o Movimentos dos Atingidos por Barragem – MAB, entre outros movimentos do campo e da cidade. Além das organizações, conversamos com alguns representantes, como a Deputada Erika Kokay que se pronunciou a respeito do processo, fazendo uma análise a respeito das estruturas políticas, dos interesses privados, da necessidade da atuação popular, na disputa da narrativa e da luta por direitos e eleições diretas.
O tema do impeachment também foi abordado na visita realizada à Universidade de Brasília, no dia 9 de setembro, em que o professor Agemiro Martins expõe as implicações legais do processo e como o mesmo feriu princípios constitucionais, o que caracteriza com um golpe de Estado.   
Figura 4 – Saída de Presidenta Dilma Rousseff no Palácio da Alvorada. Fonte: Mídia Ninja,6 de setembro de 2016.

       Nesse contexto foi possível identificar a forma de organização dos movimentos, fazendo um comparativo com o formato que acontece em São Paulo e de, mesmo estando próximos à máxima das instâncias políticas, como a  Senadores, Deputados, ao Supremo Tribunal Federal, entre outros, como a distância simbólica permanece, como a representação e participação popular ainda enfrenta diversas barreiras, refletidas num governo atual que exclui mulheres, negros e toda a diversidade em si.
Observa-se também como a estrutura física de Brasília colabora para tal distanciamento. Para estar no Palácio da Alvorada era necessário ter carro, não havia comércios para alimentação, nem transporte público próximo, além do tempo de deslocamento, o que já cria uma condição desigual e desfavorável para a atuação de quem não possui tais condições.
O mesmo comparativo foi identificado no desfile cívico do dia 7 de setembro, que nós, alunos da USP, tivemos o privilégio de adquirir os ingressos.
Figura 5 – Ato “Grito dos Excluídos” do Distrito Federal. 7 de setembro de 2016.

Do lado de fora, concentrados da Catedral, cerca de 3 mil pessoal, segunda a Policia Militar, participavam do Ato “Grito dos Excluídos”, que acontece há, aproximadamente, 21 anos e teve como tema deste ano “Este sistema é insuportável: exclui, degrada, mata!”, pautando a política de cortes do governo, de impacto às políticas sociais.
O Grito dos Excluídos e Excluídas nasceu da necessidade de dar voz ao povo, às minorias e à população historicamente excluída pelo Estado, que opta por uma engrenagem de negociações financeiras que somente obedecem aos interesses dos que já têm: dos ricos, das empresas, dos bancos. Assim, os direitos à saúde, moradia, transporte, trabalho, informação e vida digna ficam comprometidos e aumenta a desigualdade social no país. Sendo assim, o Grito é um processo que não começa e nem termina no dia 7 de Setembro. Ele é um espaço de articulação permanente para que movimentos sociais organizados se manifestem e cobrem direitos já assegurados em nossa Constituição Federal. (Coordenação Nacional do Grito dos/as Excluídos/as, 2016)     

A crise de representatividade, caracterizada por Manin (1995) como a distância crescente entre representantes e representados também é identificada não apenas em espaços de atuações direta, como na própria estrutura física de Brasília, como pontuado anteriormente, como nas manifestações culturais. Como exemplo podemos citar o quadro exposto no Supremo Tribunal Federal, nomeado “Os Bandeirantes de ontem e de hoje”, do autor japonês Massanori Uragami representando, a mudança da capital do Brasil do Rio de Janeiro para Brasília, que expressa uma visão romantizada, sem abordar o verdadeiro genocídio que ocorreu da população negra e indígena da nossa história, tema também abordado por Renata Sakai e Silvania Caribé, do Ministério da Saúde, durante o X Seminário USP-Ministério da Saúde, realizado na ESAF.
Elas também pontuam os dados de violência urbana, refletindo a pauta de muitos movimentos sociais, que buscam o combate das desigualdades sociais, raciais, de gênero, cultural e que devem ser combatido também através da participação popular, tendo instrumentos e recursos que atendam suas demandas, complementando com a fala do  Renato Tarciso Barbosa de Sousa, que realizou um exposição sobre tecnologia da informação no setor público e como são recursos essenciais para a gestão pública, na elaboração de estratégias para resolução de problemas.
Figura 6 – IV Seminário USP-Banco Central - A estratégia nacional de educação financeira na cidade constitucional: um museu de valores. 8 de setembro de 2016.

         Pautando a necessidade da participação social, do reconhecimento das organizações da sociedade civil e mudança de paradigmas, tivemos a oportunidade de assistir a fala inspiradora do Prof. Dr. José Geraldo de Sousa, ex-reitor da UnB, que nos despertou para a reflexão da nossa atuação política, a partir de um panorama da história,  de conceitos e teóricos fundamentais para compreensão da nossa conjuntura política e da construção da nossa resistência. 

Referências Bibliográficas
Coordenação Nacional do Grito dos/ Excluídos/as. In: Caritas Brasileira: Organismo da CNBB, Set./2016. – Disponível em: http://caritas.org.br/grito-dos-excluidos-e-excluidas. Acesso em 22 de outubro de 2016. 

GIACOMONI, J. Orçamento Público. São Paulo: Atlas, 2007

MANIN, B. As metamorfoses do governo representativo. Revista da Anpocs. n.29, 1995.

NERLING, Marcelo Arno. ANDRADE, Douglas de. A cidade constitucional: Capital da República – Edição X. Brasília: Disciplina de graduação da Universidade de São Paulo, ACH 3666, 2016, Mimeo.


SALVADOR, E. Fundo Público e o financiamento das Políticas Sociais no Brasil. SERV. SOC. REV., Londrina, V. 14, N. 2, P. 04-22, Jan./Jun. 2012.