Autora: Carolina de Moura Barbati
Graduanda em Gestão de Políticas Públicas - EACH USP
Este relatório tem por
objetivo compartilhar algumas das experiências vivenciadas em Brasília/DF,
entre os dias 5 e 9 de setembro de 2016.
Esta visita foi resultado
de uma disciplina optativa oferecida pela Universidade de São Paulo (USP),
nomeada “A Cidade Constitucional: Capital da República”, realizada há dez anos
pela instituição. Sua proposta oferta a oportunidade de estudantes de diversas
áreas transcenderem o espaço físico da universidade, obtendo a práxis
necessária para complementação de sua formação, não apenas como ser profissional,
mas também crítico e social, com proposta de aproximação entre sociedade civil
e política.
A organização da
programação buscou abordar a Educação Fiscal e Financeira, com foco na coesão
social, além da sustentabilidade ambiental, utilizando-se de seminários,
estudos de caso e visitações, como alguns dos instrumentos metodológicos para
garantia da eficácia do curso, como veremos adiante.
Para
realização de tal disciplina, a universidade disponibilizou dois ônibus para
transportar noventa alunos, além da garantia de alimentação e hospedagem. Essa
última foi realizada no alojamento da Escola de Administração Fazendária –
ESAF, assim como a cumprimento de alguns eventos.
Além
de compreensão do histórico e propósito da ESAF, também nos foi apresentado, por
Tobias Kuehner o Programa de Eficiência Energética da organização, garantindo a
reflexão a respeito da sustentabilidade das políticas públicas e de sua
eficiência. Com ações públicas, como a proposição da criação de um espaço como
o da ESAF. – que é de fundamental importância para a capacitação de servidores
e, consequentemente, da melhora do trabalho por eles desempenhado, além de um
espaço de promoção e disseminação de conhecimento – é relevante pensar
estratégias que onerem o mínimo possível o orçamento público, assim como o meio
ambiente e o social. Com estre proposito, foi pensada sua arquitetura, com
utilização de energia solar, captação de água da chuva, entre outras
tecnologias de manutenção do espaço.
Figura 1 – VII Seminário USP-ESAF na Escola de Administração Fazendária – ESAF. 5 de setembro de 2016. |
O conceito de eficiência,
assim como o de sustentabilidade, tão abordados no campo de públicas, estão
diretamente relacionados com o entendimento do orçamento público e, assim, com
a Educação Fiscal. Neste sentido, abordou-se com intensidade o sistema
tributário brasileiro, trabalhado tanto nas ESAF, com o gerente do Programa
Nacional de Educação Fiscal, como na Receita Federal, pelo Coordenador-Geral de
Atendimento e Educação Fiscal Antônio Henrique Lindemberg Baltazar.
Ambos buscaram expor a
importância da tributação, sendo um instrumento de garantia de direitos e,
assim, a oferta de serviços públicos, também abordado por Giacomoni (2007), que
debate as funções alocativa, distributiva e estabilizadora do Estado,
relacionados à gestão dos recursos arrecadados. Para tal, despertam a reflexão
para o a maior conscientização da funcionalidade desse sistema e da necessidade
de maior participação social, superando o discurso de ineficácia do Estado,
promovido pelo sistema capitalista e pela grande mídia brasileira, mas também
despertando uma visão crítica sobre o formato regressivo de tributação, que
focaliza sua maior arrecadação através do consumo.
Assim,
cabe a reflexão de Mészáros in Salvador (2012), em que “apesar de todos os
protestos em contrário, combinando com fantasias neoliberais relativas ao
‘recuo das fronteiras do Estado’, o sistema do capital não sobreviveria uma
única semana sem o forte apoio que recebe do Estado”.
Figura 2 – G2 - II Seminário USP-RFB – A educação fiscal para a coesão social. 5 de setembro de 2016 |
Complementando o debate de educação fiscal, iniciado na Receita Federal Brasileira, realizou-se a visitação ao aeroporto internacional de Brasília, coordenada pelo Inspetor da Alfândega, Alexandre Martins Angoti, e promovida pelo programa “Conheça a Nossa Aduana”, tendo como proposta a melhor compreensão da atuação aduaneira, em relação ao processo de importação e exportação, imigração, procedimentos e legislações, entre outros temas vinculados à gestão da informação.
Apesar da sensação de necessidade de
aprofundamento mais técnico do tema, a experiência foi esclarecedora sobre os
processos realizados e suas implicações positivas e negativas, possibilitando a
identificação de possíveis gargalos que, enquanto futura gestora pública, trouxe
um despertar para a área, até então pouco conhecida.
Figura 3 – II Seminário USP-RFB – A educação fiscal para a coesão social. 5 de setembro de 2016. |
Fortalecendo o debate de participação social e de
promoção da conscientização popular dos instrumentos de processo legislativo do
nosso país, realizou-se a visita à Comissão de Legislação Participativa (CLP)
da Câmara dos Deputados, em que tivemos a fala do Assessor Legislativo Aldo
Matos Moreno, sobre a composição desse espaço e seu funcionamento. A CLP é
composta por dezoito membros, mas aberta, desde de 2001, à sociedade civil
organizada para o recebimento de propostas legislativas.
Para compreender tal processo, através da metodologia
de simulação e debate, promoveu-se uma reunião ordinária a respeito da redução
da maioridade penal e a Lei Rouanet, em que os alunos articularam defesas e
contraposições ao tema, a fim de definir o andamento de tais propostas e
identificando as problemáticas desta atuação, necessidade de uma mediação
capacitada, ao se deparar com argumentações e propostas que disputam
interesses, crenças, experiências particulares, dados estatísticos, estudos
acadêmicos e que impactará positiva ou negativamente toda a sociedade.
Dada a conjuntura atual, em que o país encontra-se
em um contexto que se pontua não apenas uma crise econômica, como também
política, inserido em um recente processo de impeachment presidencial, em que questionam
a existência de um crime de responsabilidade fiscal, falar sobre disputa de
interesse dentro da política brasileira torna-se essencial.
Presente em Brasília a menos de uma semana da
Presidenta Dilma Rousseff sofrer o impeachment, para além das atividades
programadas, tivemos a oportunidade de acompanhar sua saída no Palácio da
Alvara, no dia 6 de setembro de 2016, e dialogar com pessoas de diversos
movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST,
o Movimentos dos Atingidos por Barragem – MAB, entre outros movimentos do campo
e da cidade. Além das organizações, conversamos com alguns representantes, como
a Deputada Erika Kokay que se pronunciou a respeito do processo, fazendo uma
análise a respeito das estruturas políticas, dos interesses privados, da
necessidade da atuação popular, na disputa da narrativa e da luta por direitos
e eleições diretas.
O tema do impeachment também foi abordado na visita
realizada à Universidade de Brasília, no dia 9 de setembro, em que o professor
Agemiro Martins expõe as implicações legais do processo e como o mesmo feriu
princípios constitucionais, o que caracteriza com um golpe de Estado.
Figura 4 – Saída de Presidenta Dilma Rousseff no Palácio da Alvorada. Fonte: Mídia Ninja,6 de setembro de 2016. |
Nesse contexto foi possível identificar a forma de
organização dos movimentos, fazendo um comparativo com o formato que acontece
em São Paulo e de, mesmo estando próximos à máxima das instâncias políticas,
como a Senadores, Deputados, ao Supremo
Tribunal Federal, entre outros, como a distância simbólica permanece, como a representação
e participação popular ainda enfrenta diversas barreiras, refletidas num
governo atual que exclui mulheres, negros e toda a diversidade em si.
Observa-se também como a estrutura física de
Brasília colabora para tal distanciamento. Para estar no Palácio da Alvorada
era necessário ter carro, não havia comércios para alimentação, nem transporte
público próximo, além do tempo de deslocamento, o que já cria uma condição
desigual e desfavorável para a atuação de quem não possui tais condições.
O mesmo comparativo foi identificado no desfile
cívico do dia 7 de setembro, que nós, alunos da USP, tivemos o privilégio de
adquirir os ingressos.
Figura 5 – Ato “Grito dos Excluídos” do Distrito Federal. 7 de setembro de 2016. |
Do lado de fora, concentrados da Catedral, cerca de
3 mil pessoal, segunda a Policia Militar, participavam do Ato “Grito dos
Excluídos”, que acontece há, aproximadamente, 21 anos e teve como tema deste
ano “Este sistema é insuportável: exclui, degrada, mata!”, pautando a política
de cortes do governo, de impacto às políticas sociais.
O Grito dos
Excluídos e Excluídas nasceu da necessidade de dar voz ao povo, às minorias e à
população historicamente excluída pelo Estado, que opta por uma engrenagem de
negociações financeiras que somente obedecem aos interesses dos que já têm: dos
ricos, das empresas, dos bancos. Assim, os direitos à saúde, moradia,
transporte, trabalho, informação e vida digna ficam comprometidos e
aumenta a desigualdade social no país. Sendo assim, o Grito é um processo que
não começa e nem termina no dia 7 de Setembro. Ele é um espaço de articulação
permanente para que movimentos sociais organizados se manifestem e cobrem
direitos já assegurados em nossa Constituição Federal. (Coordenação Nacional do Grito dos/as Excluídos/as, 2016)
A crise de representatividade, caracterizada por
Manin (1995) como a distância crescente entre representantes e representados
também é identificada não apenas em espaços de atuações direta, como na própria
estrutura física de Brasília, como pontuado anteriormente, como nas
manifestações culturais. Como exemplo podemos citar o quadro exposto no Supremo
Tribunal Federal, nomeado “Os Bandeirantes de ontem e de hoje”, do autor
japonês Massanori Uragami representando, a mudança da capital do Brasil do Rio
de Janeiro para Brasília, que expressa uma visão romantizada, sem abordar o
verdadeiro genocídio que ocorreu da população negra e indígena da nossa
história, tema também abordado por Renata Sakai e Silvania Caribé, do
Ministério da Saúde, durante o X Seminário USP-Ministério da Saúde, realizado
na ESAF.
Elas também pontuam os dados de violência urbana,
refletindo a pauta de muitos movimentos sociais, que buscam o combate das
desigualdades sociais, raciais, de gênero, cultural e que devem ser combatido
também através da participação popular, tendo instrumentos e recursos que
atendam suas demandas, complementando com a fala do Renato Tarciso
Barbosa de Sousa, que realizou um exposição sobre tecnologia da informação no
setor público e como são recursos essenciais para a gestão pública, na
elaboração de estratégias para resolução de problemas.
Figura 6 – IV Seminário USP-Banco Central - A estratégia nacional de educação financeira na cidade constitucional: um museu de valores. 8 de setembro de 2016. |
Pautando
a necessidade da participação social, do reconhecimento das organizações da
sociedade civil e mudança de paradigmas, tivemos a oportunidade de assistir a
fala inspiradora do Prof. Dr. José Geraldo de Sousa, ex-reitor da UnB, que nos
despertou para a reflexão da nossa atuação política, a partir de um panorama da
história, de conceitos e teóricos
fundamentais para compreensão da nossa conjuntura política e da construção da
nossa resistência.
Referências
Bibliográficas
Coordenação Nacional do Grito dos/
Excluídos/as. In: Caritas Brasileira:
Organismo da CNBB, Set./2016. – Disponível em: http://caritas.org.br/grito-dos-excluidos-e-excluidas. Acesso em 22 de outubro de 2016.
GIACOMONI, J. Orçamento Público.
São Paulo: Atlas, 2007
MANIN, B. As metamorfoses do
governo representativo. Revista da Anpocs. n.29, 1995.
NERLING, Marcelo Arno. ANDRADE, Douglas de. A cidade constitucional: Capital da República – Edição X. Brasília:
Disciplina de graduação da Universidade de São Paulo, ACH 3666, 2016, Mimeo.
SALVADOR, E. Fundo Público e o
financiamento das Políticas Sociais no Brasil. SERV. SOC. REV., Londrina,
V. 14, N. 2, P. 04-22, Jan./Jun. 2012.