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quarta-feira, 30 de novembro de 2016

O Custo do Poder Judiciário no Brasil: os altos benefícios da magistratura

Autor: Cícero Manoel da Silva
Graduando em Gestão de Políticas Públicas - EACH/ USP

         O Poder Judiciário é um dos três Poderes do Estado, idealizado na teoria da separação dos Poderes consagrado por Montesquieu, na obra “O Espírito das Leis” de 1748. A este Poder se atribui a função de dirimir conflitos mediante a aplicação da lei aos casos concretos conforme o ordenamento jurídico de cada nação. Essa elevada missão, que interfere com a liberdade humana e se destina a tutelar os direitos subjetivos, só poderia ser confiada a um poder do Estado, distinto do Poder Legislativo e do Poder Executivo.
          Concebido, do ponto de vista do Direito Administrativo, sob a forma de órgão independente, o Judiciário brasileiro atual é regido por garantias institucionais que protegem o Poder Judiciário como um todo. Entretanto, na historia constitucional brasileira o Poder Judiciário obteve autonomia e independência de fato com a Constituição Federal (CF) de 1988. Com esta o princípio da independência dos poderes tornou-se efetivo e não meramente nominal como nas Constituições anteriores amplamente dominadas pelo poder Executivo. Com a CF de 1988, em seu Art. 99, foi assegurada autonomia administrativa e financeira ao Judiciário com competência para elaborar o seu próprio orçamento, que também é submetido ao crivo do Congresso Nacional assim como o orçamento do Poder Executivo. Este artigo tem como objetivo analisar a autonomia financeira do Poder Judiciário e como objetivo específico as atuais controversas em relação aos salários pagos aos seus servidores, acima da média dos outros Poderes da Federação e até de outros países ditos desenvolvidos.
A CF trata do teto salarial do funcionalismo em dois momentos. No artigo 37 inciso XI, o texto diz que a remuneração e o subsídio dos servidores públicos não pode “exceder o subsídio mensal” dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Nos municípios, não pode ultrapassar o salário do prefeito. Nos estados e no Distrito Federal, o teto é o que ganha o governador, no caso do Poder Executivo, e os desembargadores do Tribunal de Justiça, no caso do Judiciário. O texto constitucional não fala em exceções à regra. Para não deixar qualquer dúvida de que a intenção é cortar qualquer subsídio que ultrapasse os limites do teto constitucional, a Constituição acrescenta no artigo 17 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) o seguinte texto: “Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadorias que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título”.
Partindo dessas disposições gerais regulamentadas na Constituição, o salário dos juízes no Brasil, tem um teto. Não pode exceder o salário de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que atualmente se encontra em torno de R$ 33.763 (Trinta e Três mil Reais). Entretanto, na prática, observa-se que esse valor é superado por alguns desembargadores (Juiz de segunda instância) nos Estados de Minas Gerais, que em média ganha líquido, R$ 56 mil Reais por mês, em São Paulo, R$ 52 mil Reais, e no Rio de Janeiro, R$ 38 mil Reais, segundo estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas. Esses valores superam os pagos a um juiz similar no Reino Unido, que recebe cerca de R$ 29 mil Reais, e de juízes dos Estados Unidos que em tem em media mensal o salário de R$ 43 MIL Reais, veja esquema abaixo.

Fonte: Fundação Getúlio Vargas
            
Os salários dos juízes são “engordados” por auxílios adicionais “legais”, que se fundamenta por interpretações da magistratura em relação à legislação. O artigo 4º da Resolução Nº 14/2006 do Conselho Nacional de Justiça estabelece “ficam excluídas da incidência do teto remuneratório constitucional as seguintes verbas: Inciso I - de caráter indenizatório, previstos em lei”. Inciso seguido de diversas alíneas que constam de auxílios que vão do “auxilio pré-escolar” ao “auxilio- funeral”, entre diversos outros como moradia, transporte, alimentação, médico-social, reclusão e ajuda de custo para mudança e transporte, entre outros. Os auxílios são controversos até para membros de dentro do Judiciário, em uma audiência pública recente no STF, a ministra Cármen Lúcia, atual Presidente do STF, disse o seguinte: “Além do teto, tem cobertura, puxadinho e sei mais lá o que”, se referindo ao fato de que o limite Constitucional do teto salarial vale mesmo apenas para os 11 ministros do STF.
            A Emenda Constitucional 19/1998, visava reformar a administração pública, esta tinha como um dos seus princípios incluir todo o subsídio (termo usado para designar o salário de juízes) dentro do teto. Entretanto, auxílios, abonos e gratificações por ganho de ações judiciais movidas pelos juízes acabaram ficando de fora do teto. Em tese tudo deveria estar dentro do subsídio, entretanto ficou difícil obter aumentos no subsídio e assim vieram os “puxadinhos”, isto é, os auxílios. As Resoluções Nº 13 e 14 de 2006 vieram para regulamentar os auxílios, abonos e gratificações que aumentaram significativamente os ganhos dos juízes.
             Dados recentes do Boletim Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento apontam que o gasto médio da União com cada funcionário do Poder Judiciário mais do que dobrou desde 1995. O crescimento foi de 112% em valores atualizados, já descontada a inflação do período. Este aumento foi mais do que o dobro registrado para os servidores do Poder Executivo: 55% no mesmo período.

Fonte: Ministério do Planejamento
           
Ao comparar os gatos entre os Poderes, a série histórica do Ministério do Planejamento, mostra que o Poder Judiciário registrou o maior crescimento dos gastos. Em 1995, os servidores e magistrados do Judiciário federal custavam aos cofres públicos R$ 9,5 bilhões por ano, em valores atualizados pelo IPCA acumulado no período. Nos últimos 12 meses, esse valor atingiu a marca de R$ 34,8 bilhões, registrando um crescimento de mais de 260%. Ao analisar o gasto médio por servidor entre os três poderes, a série mostra que o Judiciário tem aumento acima da média da União. Em 1995, cada funcionário tinha custo mensal de R$ 12,3 MIL Reais, em valores corrigidos, quantia que saltou para R$ 26 mil nos últimos 12 meses. Enquanto o trabalhador médio brasileiro vive com salário mensal em torno de R$ 1000 por mês.
            Os gastos do Judiciário no Brasil representa a ordem de 1,3% do PIB, enquanto que esse valor é de 0,3% na Alemanha, 0,14% nos Estados Unidos e 0,13% na Argentina. O orçamento global do Judiciário totalizou R$ 62,3 bilhões em 2013, último ano para o qual há dados disponíveis pelo CNJ – através de seu boletim anual de 2014– “Justiça em Números”. É importante ressaltar que no Brasil 89% deste valor é gasto com o funcionalismo, porcentagem que fica em 79% na média dos países europeus, segundo os pesquisadores Luciano Da Ros, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em parceria com Matthew Taylor, da American University, que fizeram um estudo em perspectiva compara das despesas do sistema de justiça brasileiro. Estes concluem que o Judiciário brasileiro é extremamente caro se compararmos a países mais ricos ou mesmo de nível econômico similar. Veja Gráfico 1 abaixo.[1]

GRAFICO 1 - DESPESAS DO PODER JUDICIÁRIO COMO (%) PERCENTUAL DO PRODUTO INTERNO BRUTO, PAÍSES SELECIONADOS.
Fonte: (Ros & Matthew, 2016) Apud (CNJ, 2014); European Commission for the Efficiency of Justice (CEPEJ, 2014), pg. 32; Centro de Estudos de Justiça de las Américas (CEJA, 2017); National Center for State Courts (NCSC, 2012); Supreme Court of the United States (SCOTUS, 2012).
           
Atualmente, nosso país está atravessando uma grave fase de crise fiscal e recessão econômica. Entretanto, o Presidente em exercício, Michel Temer, sancionou sem vetos, em julho deste ano, o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 29, que trata do reajuste das carreiras dos servidores do poder Judiciário e do Ministério Público da União. O projeto estabelece reajuste de aproximadamente 41,47% para os servidores do Judiciário da União. Conforme aprovado no Senado, o aumento será dado, de forma escalonada, em oito parcelas, de junho de 2016 a julho de 2019. Essa medida terá um impacto superior a R$ 25 bilhões até 2019. O valor do teto dos ministros do SFT, teto do funcionalismo público, passará de R$ 33.732,00 para 39.293,38, a partir de janeiro de 2017.
            O déficit orçamentário da União, diferença entre receita e despesa, fechará o ano de 2016 em torno de R$ 170,5 bilhões.  Neste cenário, em vez do governo cortar gastos e enxugar a máquina pública cede às pressões corporativistas do Judiciário, que apresentou sua proposta de reajuste salarial logo após o Presidente interino em exercício, Michel Temer, assumir o governo. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Nº 55/2016, que visa estabelecer um novo regime fiscal no país, é vista por diversos especialistas em política fiscal como uma alternativa solida para conter as brechas legais para aumento salarial ou de subsídios, por exemplo, através de Resoluções. A fixação de um teto para os gastos públicos permitiria perceber quem gasta mais e como gasta. Desta forma, é muito importante saber como o Judiciário gasta os seus recursos e quanto gasta de forma clara, o Judiciário precisa abrir as suas contas. O principal boletim dos dados financeiros do Judiciário – Justiça em Números- com versão publicada recentemente referente ao ano de 2016, no site do CNJ, não traz dados claros de quanto um juiz ganha e como ganha, assim como não justificativa as disparidades regionais de ganhos entre estes.
            Nos sites dos Tribunais de Justiça, dedicados à transparência, se encontra links que mostram os salários dos juízes. Mas a transparência de como um juiz pode chegar a ganhar R$ 200 mil líquido por mês não é claramente divulgada. O CNJ é um órgão, no Brasil, composto majoritariamente por magistrados, não funciona exatamente como um órgão de controle externo da magistratura, o incentivo de controlar a magistratura não é grande.  É preciso abrir a caixa preta do CNJ, e esclarecer para a população como esses ganhos são formados.
As circunstâncias políticas atuais, em que o Judiciário é protagonista, principalmente, na área criminal com a Operação Lava Jato, estabeleceu um cenário favorável de desinteresse estratégico nesse momento por pressionar o Judiciário a abrir suas contas. Cabe à população, seja através de movimentos sociais ou através de seus representantes eleitos, pressionar o Judiciário e nos perguntamos, qual Judiciário queremos? Quais interesses têm prioridade? A sociedade assume neste momento papel de grande julgador desta questão, visto que se continuar dependendo do CNJ para controlar e esclarecer os altos ganhos salariais dos juízes essa questão pode se postergar por muito tempo.





[1] Ver: <http://www.conversaafiada.com.br/brasil/o-custo-absurdo-da-justica-do-brasil>